sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Ciclo vicioso



Fernando, Renato e André conheceram-se no ginásio. Cresceram juntos e a amizade continuou após a escola. Após formarem suas vidas, criaram uma espécie de clube, onde reuniam-se todo primeiro sábado de cada mês, no apartamento de Renato, para beber e jogar conversa fora.

Passam-se os anos e a rotina continuara a mesma, com muita bebedeira e risadas em seus encontros mensais, porém, em uma noite que previa-se ser como as anteriores, um acontecimento imprevisível mudou a vida dos três amigos.

Após várias doses de vodka e alguns baseados, André e Renato decidem ir ao bar comprar cigarros. Fernando mal conseguia levantar-se de sua poltrona, devido a bebida e a maconha, então não pôde acompanhar seus amigos.

Cerca de vinte minutos depois, André e Renato, bêbados, sobem as escadas do prédio, abastecidos de cerveja e fumo. Renato, com muita dificuldade consegue encaixar a chave na fechadura da porta. Lentamente dá duas voltas à esquerda, para na sequência girar a maçaneta. O silêncio é interrompido pelo rangido da porta sendo aberta. Novamente o silêncio toma conta do ambiente, com os dois amigos estagnados na entrada do apartamento, deparando-se com a chocante cena que encontraram: Fernando, estirado na poltrona, na mesma posição que encontrava-se quando saíram, mas, incompreensivelmente, estava velho, com cerca de cinquenta anos a mais. Antes de André e Renato tomarem uma atitude, o silêncio novamente fora interrompido, mas agora pelas palavras de Fernando: "Não se assustem". Os dois aproximaram-se cautelosamente do velho e viram sua mão trêmula relaxar e então seu amigo caiu no sono eterno, sem poder dar nenhuma explicação sobre o ocorrido.

Alguns anos e muitas sessões de psicanálise não fizeram André e Renato esquecer do acontecimento com seu amigo, mas ajudaram a pelo menos conviver com isso. Depois de um certo tempo, resolveram retornar com suas reuniões mensais e, sem nada combinarem, não tocaram no assunto por cinquenta anos, quando, na mesma sala em que tudo ocorrera, decidem retomar o fato e reviver cada instante do que viram a meia década atrás. Fizeram uma reconstituição daquele dia e desceram por exatos vinte minutos. Não foram ao bar, pois o mesmo não existia a quinze anos, mas deram algumas voltas pelo bairro. Subiram as escadas lentamente e Renato, trêmulo, abriu a porta. A visão que tiveram era tão chocante quanto a do passado, porém, parecia que já esperavam por isso: Fernando, estirado na velha poltrona, bêbado como a cinquenta anos, porém, jovem. Quando ele viu os dois velhos, instantaneamente ficou são e levantou-se assustado. Antes dele falar algo, André repetiu as palavras do amigo: "Não se assuste" e sentou-se ao sofá. Renato repetiu o movimento do amigo e, após acomodar-se, falou: "Um dia você entenderá". Foram as últimas palavras deles, que morreram simultaneamente, sem esboçar dor ou sofrimento.

Fernando reviu os amigos. Cinquenta anos depois.

5 comentários:

Alma e Imagem disse...

A maneira como construiu a história através do tempo ficou ótima! Apesar da triste situação, a história é bacana e me fez pensar em encontros que talvez não acreditamos. Seja em qual forma estaremos, o encontro é um só.

Adorei seu texto!

Fraturas Expostas disse...

nossa...

que envolvente esse texto...e que história!
realmente muito bem construída, e a idéia é muito diferente...

pois é seu casimiro, q bom que vc gostou, eu tenho escrevido regularmente e até com uma certa qualidade.
Seja bem vindo ao "Fraturas", tem texto novo lá, é pesado(vc vai entender o pesado), espero que goste.

bjos!

Mr. Hide disse...

Bixo, vc tá comprando bagulho adulterado...

brinacedira. Curti o texto, cara. "Realismo fantástico" no estilo Alan Poe total!

Vivi Peron disse...

Casimiro, muito bom o texto, pois é o tempo não para, apesar de muitas vezes desejar que ele parasse, gostei da maneira que construiu o texto.
Bjs!!!!

Caio Rudá de Oliveira disse...

Primeiro, valeu pelo comentário lá no blogue. Nada melhor do que alguém que deixa meia dúzia de palavras de livre e espontânea vontade.

Depois, não li todo o blogue, pois tava cego para deixar algo aqui logo depois de tanto tempo desde sua visita lá. Mas esse primeiro texto serviu para me fazer entrar no "ciclo vicioso" da leitura do seu blogue. Vou conferir as outras postagens.

Sabe, admiro muito quem escreve pelas linhas do realismo fantástico. Já me aventurei por elas, mas sem muito sucesso. Só tenho mesmo que invejar quem consegue escrever tão bem esse estilo.

Abraços, Roberto.