quinta-feira, 14 de maio de 2009

Livre Arbítrio



Com uma vida repleta de sucessos e fracassos, Antônio Carlos Jordão, chamado de Toninho pelos amigos, vivia sua medíocre vida manipulando tudo e todos. Chegou, enfim, aos 40 anos, idade que, segundo ele, era o começo do final da trajetória de cada ser humano habitante do planeta Terra. Era casado há 18 anos com Cecília Ramos Jordão, mulher formosa quando jovem, porém, depressiva aos 43 anos. O casal nunca teve filhos, por um raro problema de infertilidade da esposa, talvez um dos motivos que a levou a tornar-se uma mulher amarga. Toninho, dono de uma pequena empresa no ramo de importação e exportação, tratava as pessoas ao seu redor, inclusive sua mulher, com ar de superioridade, mostrando todo seu egocentrismo. Seus subordinados o respeitavam em sua presença e o debochavam quando não estava por perto. Antônio Carlos nunca teve pudores ao aplicar golpes em clientes e rivais, e nem mesmo em sonegar por anos o imposto de renda. Sentia-se um titereiro manuseando todos em sua volta, fazendo com que seus próximos não passassem de marionetes.

Em uma rotineira viagem de negócios à Angola, país no qual mantinha alguns clientes, Toninho dirigia-se ao hotel após almoçar em um restaurante e, passando por uma viela, um homem interrompeu suas passadas com um grito.
- Biriba!
Antônio Carlos parou por dois segundos, virou-se, assustado, pois esse era seu apelido de infância.
- Venha cá. – Disse o homem, com um tom de voz mais baixo.
Aproximou-se do desconhecido, que estava encostado em um muro, com a cabeça baixa e um chapéu que escondia sua face.
- Quem é você? – Indagou Toninho.
O homem ergueu a cabeça, revelando-se um senhor negro, por volta dos 70 anos. Aparentava ser um mendigo.
- Não faças perguntas, tolo. Tu não estás em situação de me falar nada. Apenas me escute.
Com um ar de desconfiança, porém curioso, Antônio Carlos ameaçou retrucar, mas o ancião não permitiu, interrompendo sua fala.
- Estás a pensar que sou um doido, mas não sou. Ouça bem: Quando voltares ao Brasil, verás uma harmonia diferente. Tudo parecerás normal, do jeito que sempre foi. Todos continuarão sendo teus escravos, fazendo tuas vontades. Teu ciclo chegastes ao fim, Biriba, tu verás como o mundo girando ao teu redor, mas tua consciência não aguentarás e tu não passarás de um escravo de ti mesmo.
- Quem é você? Como sabe que me chamavam de Biriba? – Disse Toninho em tom agressivo.
- Cala-te e siga teu caminho. – Murmurou o velho e pôs-se a andar na direção contrária ao destino de Antônio Carlos que, ficou parado por alguns minutos, observando o homem até perdê-lo de vista.

Alguns dias bastaram para Toninho esquecer o fato e continuar seus negócios, voltando para o Brasil em seguida. Sua personalidade não deixara que aquilo mexesse com ele. Chegou em casa e não notou nenhuma diferença. O mesmo acontecera no trabalho.

Meses após sua visita à Angola, em um domingo a noite, depois de umas taças de vinho, vivia um raro momento de intimidade com sua esposa, como há anos não acontecia. Beijos e insinuações, misturados ao teor alcoólico do vinho, levaram-os a cama. Já despidos e entrelaçados, Antônio Carlos pensou em pedir para sua esposa fazer-lhe sexo oral, como não acontecia há muito tempo. Antes dele falar, Cecília desceu pelo seu corpo e realizou seu desejo. Essa foi a melhor transa que tiveram em quase 19 anos de casados. Após a relação, dormiram nus e abraçados.

No dia seguinte, Toninho acordou e retomou sua rotina. Tomou banho, café da manhã e foi para o escritório. Chegando na empresa, notou uma pilha de relatórios que pedira na sexta-feira ao seu assistente para fazer. Ficou impressionado, pois sempre demoravam dias para ficarem prontos. Meia-hora mais tarde, sua secretária chegou, com um decote insinuante e uma mini saia que mal cobria suas coxas. Era evangélica e geralmente usava roupas comportadas, sem decotes e saias que cobriam seus joelhos. Antônio Carlos sempre fantasiou sua secretária assim. Achou estranho, mas não comentou.

Ao longo do dia, ele reparou com situações tão estranhas como as que aconteceram. Seus empregados estavam trabalhando como nunca, cumprindo os horários e metas, rindo de suas piadas. Normalmente as coisas eram assim, mas estava exageradamente perfeito para ele. Passou pela sua cabeça que poderia ser um complô, mas logo esqueceu essa idéia. No término do expediente, arrumou suas coisas para ir embora e percebeu que todos funcionários ainda trabalhavam, ninguém havia saído sem antes terminar todo o serviço. Normalmente ficavam pendências para o dia seguinte.

Dirigindo, no caminho de casa, Toninho não foi fechado e muito menos reprimido por suas indisciplinas ao volante. Mesmo sendo um dia atípico, ele não pensou muito nisso, até que quando entrara em uma avenida tomada pelo congestionamento, a faixa que encontrava começou a esvaziar, com os carros abrindo passagem. Pensou até que houvesse uma ambulância ou viatura de polícia, mas não ouvira sirenes nem avistara nada parecido. Já com medo, dirigiu agoniado até sua casa. Adentrou na garagem e após o portão automático fechar, ficou dentro do carro cerca de 20 minutos, pensando. Sem encontrar explicações lógicas para tudo que ocorrera, decidiu sair do carro e entrar em casa.

- Amor! – Gritou, enquanto trancava a porta.
- Aqui na cozinha, Bem.
Quando ele chegou na cozinha, um banquete o esperava, com tudo que ele mais gostava. Strogonoff de camarão, arroz à grega e um vinho do Porto dentro de um balde cheio de gelo. Sua mulher, de hobby, estava deslumbrante. Havia pintado os cabelos, feito as unhas, depilado as pernas e se maquiado. Parecia outra pessoa. Quando viu seu marido, Cecília deu um beijo molhado em seu rosto e se abaixou, abrindo o cinto de Antônio Carlos. Sua reação foi agressiva. Deu um passo para trás, empurrando a mulher.
- O quê ta acontecendo aqui? – Gritou Toninho
- Nada, querido. Só quero te agradar, amor.
Antônio Carlos saiu correndo e trancou-se no quarto. Na verdade aquilo era tudo que sempre sonhara. Sua esposa tornou-se a mulher que ele quis a vida inteira, porém, todos os acontecimentos recentes o assustaram e sentiu que nada que acontecera era normal. Ficara dois dias e duas noites trancado no quarto, lembrando do velho angolano e tentando entender a situação. Estranhou também que Cecília nem batera na porta para perguntar o que ocorreu com ele. Em um milésimo de segundo, seus pensamentos clarearam e, mesmo sabendo que não havia lógica alguma, descobriu que tudo que ele pensara e queria, virava realidade. Para confirmar sua teoria, precisava apenas confirmar isso.

Toninho saiu do quarto, desceu as escadas e encontrou sua mulher na sala. Pensou nela se despindo e, sem ele abrir a boca, ela se despiu. Como que se tivesse ganho na loteria, deu um grito de felicidade, juntamente com um pulo, beijou sua mulher e saiu correndo. Pegou seu carro e foi usar seu fazer mais testes na rua.

Com o tempo, ele aprendeu a dominar seu poder e conseguiu tudo que sempre sonhara, com extravagâncias e exageros. O mundo era de Toninho. Todos eram de Toninho. Tudo era de Toninho. Ele conquistou quantias infinitas de dinheiro, viajou por todo o planeta, saiu com as mais belas mulheres, dirigiu os mais potentes e sonhados carros, participou de filmes, destruiu todos e tudo que não gostava, comeu os mais exóticos pratos, teve todos aos seus pés. Antônio Carlos dominou o mundo por 20 anos, mas, tendo tudo que queria, sua vida foi amargurando, perdendo o sentido.

Pensou em tudo que vivera. Já estava beirando os 61 anos e não havia conquistado nada. Tudo foi ganho de mãos beijadas, pois bastava ele querer que tinha. Não era diferente do Toninho aos 40 anos, mas era muito mais fácil. As pessoas com que ele conversava, falava o que ele queria ouvir, faziam o que ele queria que fizesse. Sentiu que era o único ser humano na Terra e que todos eram robôs, escravizados para ele. Tentou por muitos meses achar uma solução para a situação, porque o sonho virara pesadelo.

Três dias acordado, pensando, sem comer, só bebendo vodka. Mais uma vez, em um milésimo de segundo, seus pensamentos clarearam e Antônio Carlos encontrou uma solução. Faria o mundo do jeito que era antes. Com as pessoas fazendo as coisas para elas mesmas. Fez com que os outros o contrariassem também, e assim voltou a ter uma vida normal e retomou sua empresa e voltou para sua mulher. Seus empregados voltaram a faltar-lhe com o respeito em sua ausência, sua mulher não era a esposa perfeita, mas era a de antigamente, as pessoas xingavam Toninho no trânsito e nada mais era em prol dele.

Cinco anos se passaram. Sua vida estava normal novamente, mas um pensamento veio à tona. Ele descobriu que mesmo dando o livre arbítrio às pessoas, elas continuavam agindo conforme ele queria. Elas sendo normais, contrariando Toninho, era por escolha dele. E ele não queria mais isso, queria não ter que escolher mais nada, queria que o rumo das coisas fosse dado pelo destino, e não por ele. Entendeu então que era o único ser no mundo consciente. Perdeu o amor pela vida, queria morrer.

Foi até a sacada de um prédio para se atirar, mas não teve coragem. Como Toninho tinha o poder de controlar o rumo de todos, mas não de controlar seu próprio corpo? Não conseguira nem se matar. Desceu do prédio e caminhou pelas ruas.

Na primeira quadra que andou, um homem veio correndo em sua direção e o derrubou. O homem o agrediu, até Toninho conseguir correr e se esconder em um beco.
- Se eu tenho o poder sobre todos, por que aquele louco quis me bater? – falou para si.
Descobriu então que, apesar de não conseguir morrer, seu desejo perpetuava e seus robôs realizariam isso. Tentou tirar isso de seus pensamentos, mas todos o perseguiam. Pessoas atirando, carros desgovernados, tudo contra Toninho, que entrou em um automóvel e acelerou pelas vias da cidade. Por sorte, estava perto de casa. Desviou de todos os obstáculos, como um herói, até chegar em sua casa. Arrebentou o portão da garagem com o carro, entrou, trancou a porta e colocou todos os móveis possíveis na entrada, bloqueando o acesso. Uma multidão enlouquecida tentava adentrar em sua residência.

No centro da sala, abaixou-se e chorou como uma criança, com a mão encobrindo a cara, com vergonha de si. Sentiu um golpe nas costas. Olhou para trás e viu Cecília com uma faca ensanguentada na mão.
- Você, Cecília, você? Por que fez isso comigo? – murmurou, chorando e soluçando.
- Só quero te agradar, amor – disse Cecília, com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas.

Antônio Carlos Jordão morreu. Teve o livre arbítrio de fazer essa escolha. Sabia que poderia mudar seu trágico destino, mas no fundo, era o que queria.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Sem Pé nem Cabeça



Serei breve, pois só tenho três cigarros.


Som na caixa, playlist selecionada. Todas as 968 músicas para tocar em ordem aleatória.


“Where, There and Everywhere”, dos Beatles. Pra começar ta bom. Mas que merda! O Word não pára de me corrigir e eu não consigo criar. Menos de quatro linhas e já acabou a canção.


“Mariana foi pro Mar”, do Ira!. Música tosca do último álbum, fracassado, da banda. Mas o ritmo é bom. Sinto que saio do meu estilo fazendo isso. Não consigo desenvolver meu pensamento ouvindo músicas em português. Vou acender o primeiro Marlboro até a música terminar. Mal acendi e acabou.


“Brothers in Arms”, Dire Straits. Fiquei horas no ônibus, bêbado, pensando no que escreveria. Na verdade foram minutos, cerca de 30, 40. Fujo dos clichês, mas minha vida mais parece um clichê ambulante. Penso muito antes de fazer algo. Penso muito antes de não fazer algo. Mais um trago. E lá vem o soluço. Seguro o ar pra ver se passa. Parece que passará. Passou. Mais um trago. Voltou. Foda-se! O Word continua me corrigindo. Não quero! E se eu quiser escrever errado? Qual o problema? e se eu quiser deixar a primeira letra minúscula? E se eu, quiser colocar as vírgulas erradas?


“If I Need Someone”, mais uma dos Beatles. O cigarro ta queimando sozinho. Tenho vontade de mijar, mas dá pra segurar. Ia colocar “agüentar”, mas troquei por “segurar”. To me sentindo louco hoje. Me sinto como se estivesse escrevendo num diário. Mas que porra é essa? Diário de cu é rola.


“Ready Teddy”, de Tony Sheridan. Preciso decidir o que vou fazer da minha vida. Preciso ganhar dinheiro. Preciso fazer mais e pensar menos. Preciso ir ao banheiro.


“Twist and Shoudt”, Beatles. Música pela metade. Cigarro apagado. Bexiga vazia. Mãos não lavadas. Penso como seria se tivesse vivido na década de 1960. Estaria com uns 50 e poucos anos, contando pros jovens o que vivi. Talvez seria como todos, seria normal. Não quero ser normal. Teria sido legal. Batuques acompanhando o clássico.


“Let me Go”, Three Doors Down. Que porra de música é essa que ta no meu PC? Não me traz inspiração alguma. Notei que escrevi muitos “preciso” e “tenho” aqui. Na verdade não preciso de nada. Quero só viver e ter algo pra contar pra alguém amanhã. Talvez algum fato, algum acontecimento. A TV está ligada. Tenho a impressão que ninguém vai ler até essa parte. O telefone tocou. 2h49 da manhã. É a patroa. Pausa para tudo.


“People are Strange”, The Doors. Três horas de conversa ao telefone. Fumei os dois cigarros restantes. A inspiração já está dormindo. E fim de papo!